11 de novembro de 2010

tema sensível.


Mais angustiante, aflitivo e extenuante do que a morte de um doente é ver que um doente moribundo, que está a agonizar, ainda não morreu. É dos que se tem a certeza de que, impreterivelmente, morrerá dentro de dias. Hoje, amanhã, ate ao fim da semana, ninguém sabe exactamente quando mas sabe-se que sim. 

É um doente que está só a fazer cuidados paliativos e de suporte, com ordem de não-reanimação. Acerca de quem já desisti de tirar dúvidas sobre todas as coisas  novas que vou encontrando a cada dia porque já sei que Sim, Cat, nós sabemos que ele tem uma anemia grave mas não o vamos transfundir. Não, não vamos recomeçar antibiótico. Não, não interessa se ele está a entrar em falência renal  porque não vamos tratar. Não, não vale a pena pedires análises para amanhã porque amanhã, provavelmente, já não está vivo. Já aprendi - apesar de não ter aprendido rápido por não conseguir frear facilmente o meu impulso do TEMOS DE FAZER ALGUMA COISA! - que não vale a pena perguntar nada porque não se vai intervir mais nem é suposto. Agora é esperar.

Todos os dias, quando chego ao hospital, vou a interrogar-me se terá sobrevivido à noite. Sobreviveu. Mas era uma benção para ele, que não. E passo o dia naquela eminência. Quando o vou observar, estou sempre a medo que se dê à minha frente. Depois, passo o resto do dia a ir espreitá-lo ao quarto, só para ver se ainda está naquela aflição a tentar respirar ou se há, finalmente para ele, silêncio. Devia ter direito a morrer. Juro que devia.

Só pode ser contra a eutanásia quem nunca viu alguém sofrer assim.

28 comentários:

Genitrix disse...

Isso é o pior da profissão tenho a certeza, quando já nada podes fazer, e o teu intimo impede-te de baixares os braços....
Eu sou a favor da eutanasia em casos terminais, apartir do momento em que se começa a sofrer e simplesment se espera que a morte chegue

*B* disse...

Deve ser angustiante. Prefiro nem pensar.



[força, Cat Narizinho!]

3Picuinhas disse...

Imagino bem o que sentes. A minha avó esteve em estado quase vegetativo durante um ano. Muitas vezes desejei que morresse só para lhe pôr fim ao sofrimento. Amava/amo profundamente a minha avó, mas viver assim não é viver, nem sequer sobreviver. Para quem assiste é um tormento, ter de lidar diariamente com o sentimento e a culpa de desejar o fim de alguém. Suponho que para um médico não seja muito diferente. Um abraço e força.

S* disse...

Meu deus, deve ser horrível :/ Boa sorte!

Jedi Master Atomic disse...

Eu sou a favor da Eutanásia. Acho que estas situações não beneficiam ninguem.

Ana das Pontas disse...

Coitado. Mas está consciente? :O

É lindo ver que afinal os médicos são "humanos". Conheço tantos que são umas bestas cúbicas! Se calhar é o tempo que os torna assim. Quero-te sempre assim sensível e fofinha, pode ser? :)

Lady Me disse...

É por isto que eu sou totalmente a favor da eutanásia. Ninguém merece ter que morrer assim.

Tu és muito humana, vais ser uma excelente médica! :) Quase ninguém deve pensar no que tu pensas, pensas como uma pessoa deve pensar. Força com isso.

Beijinho*

Gelatina de morango disse...

Mesmo nunca tendo visto ninguém sofrer assim (felizmente), concordo em absoluto contigo.
Se bem que quando são nossos familiares ou outras pessoas próximas deve haver uns momentos horríveis de conflitos interiores entre o querer e o não querer que aquela pessoa parta para sempre...o que não deixa de ser um sentimento egoísta, claro.

Florisa disse...

Eu sou a favor da eutanásia para este tipo de casos. Porque uma pessoa tem de sofrer tanto? Mais vale partir e diminuir a dor própria e a dos familiares/amigos.

Little T. disse...

Deve ser uma situação tão difícil...Estar a espera da morte! Sofrer e saber que a unica coisa que pode parar essa dor é a morte. Sou completamente a favor da eutanasia, acho que se se sabe que o fim da doença vai ser a morte porque deixar a pessoa sofrer ainda mais? Sera que não podemos decidir morrer dignamente?

força!*

ML disse...

É uma dor inimaginável para qualquer um de nós.

E sim, também penso que deveria ter direito a optar pelo seu próprio silêncio ou não.

C. disse...

eu nunca vi ninguém nesse estado e só de imaginar já me serve para ser a favor da eutanásia... estagiária sofre catzinha :p beijinho

Joana disse...

por todos os motivos, concordo integralmente ctg!

Unknown disse...

Sei o que isso é.
Acho que quando é um familiar, nem coragem temos para espreitar. Eu não consegui.

Anaa disse...

eu não podia ser média mesmo por causa disso, não ia aguentar e ao fim de uns meses lá ia eu alimentar o dia de trabalho dos psiquiatras. Acho que o facto de aguentares e de te preocupares com ele é um motivo de admiração e orgulho!

Joana | My Pretty Mess disse...

Já fiz um debate na escola sobre "eutanásia" e fui das poucas que era "a favor".
Uma morte digna, a meu ver.

~ rita disse...

Pensei exactamente o mesmo quando tive de estudar pessoas em coma.

Menina do Vestido Verde disse...

Concordo plenamente contigo. Por vezes encontramos aqueles resistentes, aqueles que achamos que não sobrevivem a mais uma noite e no final da semana ainda lá estão, a agonizar. Ninguém devia ter de sofrer tanto!

Red disse...

true.

Sahaisis disse...

Todo este teu post me soa a errado. Muito errado. E a culpa não é de todo tua. A culpa é de aprendermos que somos "criados" para salvar vidas e que, por estes doentes não há nada a fazer.
Pergunta-te, se tiveres oportunidade, se ele teve uma boa vida. Pergunta-te se achas que ele está a sofrer, se sim, questiona-te o que podes fazer quer do ponto de vista do controlo sintomático, quer do ponto de vista da tua presença como profissional responsável por ele para o ajudar. Não baixes os braços. A morte pode ser um monstro. Mas garanto-te que há no acompanhar do doente que morre tanta nobreza como em acompanhar o que vive. Não te questiones se ele já terá morrido quando chegares ao pé dele. Questiona-te se lhe conseguirias segurar a mão para ele não morrer sozinho. Sim. Não vale a pena corrigir a anemia, mas vale a pena paliar a dificuldade respiratória. Não vale apena corrigir o desequilibrio hidroeletrolitico, mas vale a pena garantir que não sente dor, que não tem secreções a condicionar uma dificuldade respiratória franca, ou febre persistente que não cede a atp mas cede a dexametasona. pergunta-te se podes confortar a familia. se podes responder às suas perguntas ou se te sentes o suficientemente confortavel, o suficientemente humana para chorar com eles. para chamares a ti a responsabilidade de, muito para além de passares um atestado de óbito comunicar àquela familia que perderam alguém que amou, como alguém capaz de estar ao seu lado e respeitar a sua dor. sabes... todos vamos morrer e nenhum de nós se quererá sentir abandonado.
desculpa a extensão do coment e não interpretes isto de forma alguma como uma lição ou uma crítica ou outra coisa do género. é uma opinião, de alguém que acha que morrer não tem de ser uma derrota e que a eutanásia não precisa de ser a solução.
cá beijinho por teres escrito sobre isto ;)

Malinha disse...

Não podia estar mais de acordo, deve ser uma sensação horrível, nem quero imaginar...

ps- Back ;)

Rita disse...

Não consigo imaginar o que te passa pela cabeça ao presenciares uma situação dessas. Muito menos o que sentes. Sempre fui a favor da eutanásia. Eu não iria querer sofrer dessa maneira, quando o fim é inevitavelmente a morte. *

Olhos Dourados disse...

Parece que estou a ler o estado em que estava a minha avó antes de morrer...

Cat disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cat disse...

Sahaisis, não, não, eu agradeço o teu comentário. Desconheço sobre a vida do senhor mas suponho que nos últimos (muitos) anos em que esteve acamado, afásico, hemiparético, demente, alimentado por sonda NG, totalmente dependente de terceiros, residente em lar não tenham sido anos felizes para ele. Sim, obviamente que ele estava paliado com tudo o que disseste e mais ainda. Não encaro a morte dele como uma derrota. Mas foi desgastante, emocionalmente, o tempo ao longo do qual isso foi acontecendo. Mas compreendi o que querias dizer, juro :) Beijinho *

sem nome disse...

Olá Cat,

Já te acompanho há.... algum tempo, nunca deixei o meu comentário; este post mexeu cmg pelo facto de rever nele a situação do meu pai( é certo que ele ainda n está numa situação tão extrema, mas vejo-o de dia para dia caminhar para lá...)
Imagina agora o que eu sinto... quero-o comigo , MAS BEM E DE BOA SAÚDE... Mas não o quero ver por cá e a sofrer...
De há 15dias para cá, tudo mudou na minha vida... tenho que ser uma Rocha para dar apoio ao meu pai que está na situação que está e n quer k veja q eu estou mal, e tenho que dar força à minha mãe para que ela n vá a baixo...
Todos os dias chego expectante ao hosp...
O resto da familia não existe e eu n sei até quando vou aguentar este peso todo nas minhas costas...

Mia disse...

Nunca vi ninguém nessa agonia, mas sou completamente a favor da eutanásia. Ninguém merece uma morte assim, lenta e dolorosa :(

Cat disse...

» sereia, da flor branca e lilás «, fiquei com um nó na garganta :( Lamento muito a situação do teu pai e não consigo sequer imaginar aquilo que estás a passar. Não há coisas certas nem encorajadoras nem boas que se consigam dizer em momentos destes... mas muita força! Um beijo grande

Mia, verdade...