Não há outra forma de o dizer, foi o que aconteceu. É das tais merdas que parecem sempre distantes, que só acontecem aos outros, que nós pensamos fogo, coitados, que azar e seguimos a nossa vida, felizes e contentes. É o que eu faço também. É o que vemos na tv. Mas, de repente, são vocês que estão na tv, são os vossos amigos que estão na tv, é a vossa casa sem telhado e o vosso pai em cima do telhado que estão na tv.
Na minha casa: o telhado voou, os vidros partiram-se, os estores voaram, as chaminés caíram, os algeirós voaram, as árvores e plantas do jardim voaram todas para parte incerta (não foram avistadas num raio de 50 metros) e deixaram só a raíz. É este o resumo. Ah, e o carro da minha mãe vidros caput, faróis caput.
Houve carros capotados, carros cortados ao meio por placas de zinco, cadeiras de um café que apareceram no cimo de árvores a mais de 500metros de distância, blocos de cimento de 70 kg a voar (como um que aterrou sabe-se lá vindo de onde, mesmo no meu jardim), uma criança a voar, árvores centenárias a voar que nem loucas em todas as direcções. Por isso, parece um milagre o tornado não ter levado também vidas misturadas com isso tudo. É altamente improvável tudo o que caiu em tanto sítio não ter caído em cima de ninguém.
Meti-me no primeiro autocarro de Lisboa para casa. Cheguei a um cenário aterrador, desconhecido, a uma terra que parecia ter sido metida num cubo e dado a uma criança de dois anos com a indicação de Vá lá, brinca. Ainda por cima, sem luz (as dos bombeiros, protecção civil, INEM, contam?), sem rede de telemóvel. Cheguei e não consegui falar com os meus pais para me irem buscar. Comecei desnorteada a andar, à chuva, às escuras, a chorar sem conseguir parar. Nem sabia para onde havia de ir. Não sabia se devia ir para casa, não sabia se a minha família estava em casa, não sabia sequer se existia casa. Sentia-me em pleno filme de terror num cenário de destruição, onde as casas pareciam casinhas de bonecas, sem telhados, abertas em cima.
As pessoas foram todas fantásticas, mostraram uma força desconhecida mobilizaram-se todas rapidamente. Em minha casa - e nas outras - mal o tornado passou apareceram amigos, vizinhos, familiares, conhecidos, desconhecidos, todos feitos formiguinhas trabalhadoras, para quem todos os agradecimentos do mundo não chegam.
O meu telhado ficou parcialmente reconstruído até ao final da noite (dormimos em casa) e vidros novos também já temos. O que já são duas coisas bastante positivas. Passei, passámos, o dia a limpar escombros. O resto há-de ser aos poucos. Já passou a fase da choradeira e até já conseguimos fazer graçolas. O meu pai, por exemplo, acha que foi positivo a cerejeira ter voado para parte incerta porque não dava fruto de qualquer forma e ele andava há meses para arrancá-la. E eu também acho.
Sim, eu sei e já sabia que somos uma merdinha minúscula e insignificante face à Natureza. Mas experimentá-lo assim, por mim própria, deixa-me isso para nunca mais esquecer.
[ É que taaaanto sítio, taaaanta terra, taaaanto descampado que o c@r@lho do tornado tinha para atravessar... mas não, NÃO, tinha de passar exactamente na minha terra, exactamente na minha casa.]
Por isso, como calculam, estou a ter uma semana maravilhosa.
Tenho fotos mas óbvio que não vou publicar porque vocês sabem como eu adoro fotos de casas fofinhas e cor-de-rosa. Casas onde parece que passou a Terceira Guerra Mundial, naaaa, não é a minha onda.